domingo, dezembro 10, 2006

Marcaurélio

Eu sou uma pessoa humilde, sem muitas restrições, sem muitos caprichos. Enquanto tem gente por aí cheia de especificidades que só gostam de orientais de roupa colegial, ou de morenos altos de olhos verdes donos de Pajeros, pra mim o que cair na rede é filé. Até funcionários de projetos sociais na área da reciclagem (vulgarmente conhecidos por ?catadores de latinha?) me interessam. Mas assumo, e não me orgulho: minha única ressalva é a estatura. Baixinho não rola. Pode até rondar por volta dos 1 e 70 e poucos, que eu faço o esforço de abolir a plataforma. Menos que isso, out. Já tentei, e não deu certo.

Hoje recebi um torpedinho: ?Oi, Lu, quanto tempo, tô com saudades, vamos nos encontrar??, que pode ser lido como: ?tô de bobeira e quero te comer?. Era Marcaurélio. Pensei em responder: ?Meu filho, tô em Salvador e aqui os negões são enormes?, mas resisti, pois o torpedo tá pela hora da morte e a bolsa não tá sobrando.

Conheci Marcaurélio num sambinha lá pros idos de 2003, séculos atrás. Eu ainda era uma jovem ingênua de coração puro e sentimentos nobres. Resolvi chamar meu ex namorado pra sair. Just friends, eu juro. Não rolava mais, já que ele ainda insistia em usar sandália com meia e macacão jeans. Justamente por isso virou ex. O macacão era um velho amigo cansado de guerra, apertado na bunda e pescando siri. Namoramos 1 ano e meio, e até hoje não sei como eu pude. O macacão resistiu. Eu não.

Mas naquela tarde de sábado, o pagodão comendo e eu sem muitas opções de acompanhamento, resolvi apelar. Ele topou na hora, e disse que ia chamar os amigos. Apareceu todo perfumado, sem as fatídicas sandálias franciscanas, e sem nenhum amigo. Meninão.

Fomos. Chegamos. O lugar estava cheio, e quando vi algumas possibilidades eventuais de pegação, percebi a grande burrada sem volta que havia cometido.

No canto extremo, diviso as linhas interessantes de um negão bem razoável. Como havia muita gente, só dava pra ver a cabeça. Só a cabeça. De longe, era impossível (ao menos pra mim, que sou absolutamente sem-noção) descobrir qual era a altura dele. Ele me olhava fixa e libidinosamente. Adoro. Fez um sinal para mim. Tentei responder, mas meu ex não saía do meu lado, sambando esquizofrenicamente. Tentei responder em código morse, só na sobrancelha. Não obtive sucesso. O negão sinalizou que ia me esperar lá fora. Tentei dar um zignal no meu ex, naquela hora mais balançante que um boneco de Olinda. Disse que ia comprar água, e zapt! saí correndo. Ao longe, vi meu paquerinha no portão, ansioso. Quando olho para trás, quem vinha em meu encalço? Seu Boneco. Quis chorar. Comprei a água, resignada, e retornei ao meu ponto de partida. Tentei um segundo zig, e disse que ia ao banheiro. Meu ex: ?Ah, eu vou com você!?, animadão. Fiz um xixi desconsolado. Voltei.

O negão em desespero tentava se comunicar através da linguagem dos sinais. Encontrei um amigo e apresentei ao meu ex, para ver se conseguiria distraí-lo. Tive outra idéia brilhante, estratégia de guerra total. Pedi a uma moça papel e caneta, e, relembrando os aprendizados da Arte do Arqueiro Zen, escrevi o nome de uma música de Dona Ivone Lara, e pedi ao meu ex, tão solícito desde o começo da noite, que entregasse o pedido aos músicos, e aproveitasse para sair de perto de mim (preferencialmente, que fosse depois para o inferno). O puto não quis ir. E olha que eu realmente me amarro na música. Puto. Fui comprar outra água. A bexiga cheia me fez novamente ir ao banheiro, seguida de perto pelo meu fiscal, que plantou-se solenemente na porta. Ia perguntar se ele não queria me secar, mas, repentinamente, tive outra idéia.

Bebi o restinho da água até não sobrar gota sequer, peguei o papel com a música anotada, guardado estrategicamente por mim, e escrevi meu telefone. Joguei dentro da garrafa e tampei. Saí do banheiro, serelepe. Agora, era só arrumar um jeito de entregar a garrafa ao negão. Ok.

Meu ex resolve (suspiro sem saco) me chamar pra dançar. Enquanto dançava, por cima do ombro dele, mostrei a garrafa para o negão. Tudo discretamente. Resolvi ir ao banheiro de novo (!!). No meio da muvuca, que havia aumentado enormemente, na escadinha que dava acesso ao toalete, o negão me esperava. Havia muita gente. MUITA. Momentos de pura tensão. Sem hesitar, corri, empurrando as pessoas, com a garrafa na mão, empurrando também o sem noção do meu ex, que me seguia, colado. Acho até que dei-lhe um pisão no pé, a fim de despistá-lo. No instante em que passei pelo negão, na mesma hora em que tentei colocar a garrafa na mão dele, ele tentou colocar na minha mão, NA MESMA MÃO COM A MESMA MÃO, um papel. Um papelzinho. Segundo aquela lei da física, vários corpos e mãos no mesmo lugar, aquela coisa do vuco-vuco, não ia rolar. Foi uma luta. Mais sagaz que ninja samurai, o negão conseguiu pegar a garrafa, AO MESMO TEMPO em que enfiava o papel no bolso de trás da minha calça.

Parêntesis: Como eu me enquadro na categoria periguete-cachorrona-purpurinada, só ando de calça de stretch da Gang, e, como todos bem sabem, a fim de diminuir qualquer volume extra para não comprometer o efeito-espartilho, os bolsos frontais desse tipo de calça SEMPRE são falsos. Ou seja, não havia bolso para ser enfiado o papel. Desespero. Nesta hora, enfiei a unha na mão do negão, que entendeu, e conseguiu enfiar o papel no bolso de trás.

Este episódio todo durou, mais ou menos, uns 7 segundos. Ninguém percebeu nada, e saímos da muvuca. O céu brilhava de estrelas, e neste momento, começaram a tocar a música da Dona Ivone, ?Mas quem disse que te esqueço?. Meu ex dançava no meio da galera, feliz. Respirei aliviada.

Depois da missão cumprida, até esqueci do negão e fomos embora. Meu ex resolveu me levar em casa. Foi ótimo, apesar dele tentar me roubar uma bitoca, sem sucesso. Não me julguem mal. Alguns meses antes ele havia me sacaneado de leve. Además, el amor se acabó. Eu não sou leviana. Passar por aquela tensão toda foi um ato de extrema consideração para com ele. O que os olhos não vêem a testa não sente.

Cheguei em casa e procurei o telefone no bolso da calça. Não achei. Virei e revirei a peça pelo avesso. De repente, caiu uma poerinha. Fui ver. Era um minúsculo pedacinho de papel, todo amassadinho, menor que a ponta da unha do meu dedo mindinho esquerdo. Sem brincadeira. Nele, havia um número impresso. Só. Parecia que ele havia, no meio da multidão, o samba comendo, pegou um cartão de visita no qual o número dele aparecia, e o recortou, com a mão (óbvio) milimetricamente, deixando apenas o seu telefone, e nada mais. Samurai.

No dia seguinte. ?Oi, tudo bom? Era você que estava no samba ontem, à noite...??, e logo fui interrompida, ?Ah! Você é a mulher da garrafa??? Marco Aurélio dava aulas de francês, comme il faut, e praticava pólo aquático. Imaginei logo a bagagem cultural e o tamanho do braço. Marcamos.

No dia seguinte, resolvi ir com meu salto mais alto, de acordo com o alto nível da figura. Ele atrasou uns 20 minutos. Eu já estava sentindo certas dores na coluna que se agravaram consideravelmente quando ele chegou e fui obrigada a me curvar em quase um ângulo de 90 graus para cumprimentá-lo com dois beijinhos.

Ora, mas bem que eu deveria ter dado uma chance ao rapaz, vocês irão dizer. Mesmo sendo quase anão. Afinal, os anões também amam. Foi o que eu fiz. Alma caridosa, esqueceram? Mas ele era mané. Infelizmente. Afinal, os anões também podem ser manés.

Tanto esforço.

Eventualmente, nos reencontramos sem querer em outros sambas gratuitos nos espaços públicos cariocas. Da última vez, ele tentou me roubar uma bitoquinha, mas eu me desvencilhei. Quando vi que ele ia insistir, saí correndo para pegar o ônibus. E, não me perguntem como ? afinal, além de quase anão, ele era meio ninja ? Marcaurélio, estupenda e acrobaticamente, conseguiu pular e dar uma mordiscada certeira bem na minha bochecha direita.

Só pra tornar tudo muito pior, Anne estava por perto e viu tudo.


Doeu pra caralho, e isso não tem graça.*




* No maternal, um moleque filho da puta mordeu minha bochecha, motivo de profundos traumas na fase adulta. De qualquer maneira, valeu por eu já estar imunizada contra tétano e raiva.

13 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Esse é realmente o sem noção mor, nem lembrava desse episódio da mordida, asqueroso esse sujeito. E esse papelzito? Realmente era minúsculo. Vc já tinha que ter postado essa história aqui a mais tempo. BIZARRA!

10:59 PM, dezembro 10, 2006  
Anonymous Anônimo said...

O cara é anão mas pelo menos não beija mal...tô traumatizada. Fica aqui registrado: você é boa nisso. É por isso que você vai escrever meu release (isso foi uma cobrança também). TE AMOOOOOO (é bom falar logo enquanto é verdade...hehe) beijo

12:54 AM, dezembro 11, 2006  
Anonymous Anônimo said...

KKKKKKKKKK
Mta risada.

Se curvar 90 graus p/ dar um bjo é demais.
hahahahha

Bjos.

4:06 PM, dezembro 11, 2006  
Blogger Brena Braz said...

Voltaste, meu bem?!
Li a história inteira! Mas não entendi uma coisa... Você falou que resolveu "ir com seu salto mais alto, devido ao nível da figura" e depois fala que teve que se curvar para beijá-lo? Não entendi... vc sabia q o cidadão era quase anão e foi com seu salto mais alto? uahauhauahua
Doida mesmo, gente!
Hoje à noite vou postar uma catástrofe... mas a minha foi com direito a barraco e tudo mais. Depois passa lá pra vc ler!
Bjoca

8:08 PM, dezembro 11, 2006  
Blogger Luciana Xavier said...

Realmente, ficou mal explicado. eu acho que perdi o traquejo. o fato é que, ao longe, eu realmente não consegui distinguir qual era a altura da figura. eu sou idiota, cega e sem senso de proporcionalidade. azar o meu.

8:41 PM, dezembro 12, 2006  
Blogger Brena Braz said...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Entendido!

10:47 AM, dezembro 13, 2006  
Blogger lipeburger said...

Ai, essagarota, recebi seu SMS caprichado. Adorei saber q vc vai estar aqui a tempo do meu niver. Que feliz. Podemos convidar Marcaurélio e tudo. Até Anne to pensando em chamar, pra vc ver como estou menos seletivo.
Te amo. Vem pra mim, vem.

12:02 PM, dezembro 13, 2006  
Anonymous Anônimo said...

to muito feliz que você tenha voltado à passiva. quer dizer, à ativa!!

beibe, que parada é essa que você vem pro aniversário do felipe? vai ter que ficar pro meu também! fico com ciúme!

beijo

7:10 PM, dezembro 14, 2006  
Anonymous Anônimo said...

cara, na boa, vc nao ganha dinheiro pq nao quer!!!
VAI ESCREVER UM LIVRO MULHER!!!!!
to falando serio porra! vc eh foda escrevendo!!!!!!!!!!!!!!
bjooooooooooo

7:45 AM, dezembro 16, 2006  
Blogger Luiz Roberto Lins Almeida said...

pelo jeito eu tbm rodei... menos de um e setenta... se bem que um sessenta e nove e meio...
beijão, adorei.

6:28 PM, dezembro 26, 2006  
Blogger Feio said...

já é hora de voltar a escrever, né?
aliás, usa msn mais não?

2:53 PM, janeiro 03, 2007  
Blogger Feio said...

já é hora de voltar a escrever, né?
aliás, usa msn mais não?

2:53 PM, janeiro 03, 2007  
Blogger Rosi said...

Hilário esse acontecimento. Fiquei com pena de ti.
Passo por aqui mais vezes. Gostei.

3:07 PM, junho 13, 2007  

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