quarta-feira, janeiro 10, 2007

Protético

Uma vez viajamos eu, mamãe e vovó para Caldas Novas (GO). Eu ainda era criança, e, portanto, deveria prestar obediência e fui, arrastada. Excursão de aposentados. Super legal. Eu, com uns 17 anos, me diverti horrores, como vocês podem imaginar. De 15 em 15 minutos tinha um bingo no ônibus, e os prêmios variavam de uma régua de plástico a um calendário de papelão. A viagem foi um saco, o maior atrativo do hotel era uma piscina de águas quentes, e a velharia boiando naquele caldo me fez ter pavor de canja até hoje.

Para chegar em Caldas Novas, pararíamos em Ribeirão Preto (SP ?) e em Araxá (MG). O hotel de Ribeirão era lindo, ótimo quarto, o café-da-manhã dos deuses. Dormimos duas noites lá. Na segunda noite, como sempre acontece em viagens com minha doce avózinha, ela sempre deixa para arrumar as malas em cima da hora. Como iríamos sair do hotel de manhã, o ?em cima da hora? significa ?de madrugada?. Para passar apenas duas noites, ela simplesmente retirou todas as tranqueiras de dentro da mala, e arrumou o quarto como se fosse passar o resto da vida lá. Eu, que já estava com tudo pronto, fui dormir mais cedo. Por volta de umas 3h, 4h da manhã, vovó me acorda, gargalhando. Irritada, ?O que é, vó???. Ela não conseguia falar de tanto rir. Mamãe, sentada na outra cama, parecia rir e chorar ao mesmo tempo. Cocei o olho, tirando as remelas. Olhei bem. E vi tudo preto. Literalmente, um buraco negro. A pressão baixou. Vovó foi comer amendoim e quebrou um dente da dentadura.

(nesta hora, parei de escrever e fiquei lembrando de tudo. O momento foi indescritível)

Não sei se foi sorte ou azar, o dente quebrado era um mais lateral, e não um frenteiro. Imagino que, se fosse o da frente, a tragédia seria total. Um dente quebrado do ladinho dava pra disfarçar, desde que não se sorrisse muito. Mas, sei lá porquê, talvez pela sutileza do buraquinho recém-aberto ali no cantinho, tudo ficou muito mais cômico.

Claro, não pra mim. Naquela época, ainda não fazia parte do meu caráter rir da desgraça. Eu era uma adolescente estresssada. Levantei da cama num pulo. Vovó não parava de rir, apontando para mamãe com o dente quebrado, culpando-a por ter oferecido o amendoim maldito. Mamãe, agora, parecia estar mais rindo do que chorando. O quarto estava uma zona, porque todo mundo desistiu de arrumar as malas. Tive uma idéia. Mandei mamãe procurar na bolsa, e fui telefonar para a recepção.

- Vocês têm super bonder aí?
- Super bonder? É marca de camisinha?

Mamãe não achou nenhuma cola na bagagem. O ônibus ia sair umas 6h, 7h, e, como a gente é pobre, não perderíamos por nada aquele café-da-manhã com cara de buffet de festa de 15 anos. Descemos. Não sei porque, mas, naquela manhã, vovó estava excessivamente simpática. Toda sorrisos. ?Vô, pára de rir!?. Cumprimentou o porteiro, a camareira, o ascensorista. Mamãe dava uns cutucões, para ver se ela se mancava. Encontramos todo mundo da excursão. Vovó, simpatia pura. Eu, um balde de constrangimento. Mamãe foi perguntar ao gerente se ele tinha algum vidrinho de cola dando sopa no hotel. Vovó, nem aí, batendo papo e sorrindo pra Deus e o mundo, só na buraqueira. O gerente, percebendo o nosso sofrimento, se solidarizou, e foi conosco até a mercearia que tinha ao lado do hotel. Fechada. Acordamos o dono da mercearia, que abriu mais cedo. Mas não tinha super bonder. Só sei que o gerente acionou um boy do próprio hotel, que foi de moto até o posto de gasolina mais próximo, comprar a porra da cola. As duas subiram correndo para o quarto, tomar as providências. A excursão atrasou uns 30 minutos, mas, graças a Nossa Senhora que Desata os Nós, deu tudo certo. A dentadura ficou novinha em folha, e vovó nem reclamou dos dez reais pagos na cola, mais a taxa de entrega.