segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Auto-chacotagem

Por incrível que pareça, a minha internet Ajato permitiu que eu visse um vídeo completo, sem interrupções, pela primeira vez. Foi um vídeo do Serjão Loroza, fofo como sempre, no Jô Soares. O Jô, que gosta de exibir suas capa adiposa com louvor e soberba, tem o prazer sádico de sacanear outros gordos e gordas, como se fossem todos pertencentes à mesma confraria de solidariedade e sarcasmo. Mas aposto que nem todo mundo acha graça. Eu não acho. O Jô, inclusive, adora rir de si mesmo, quando repete a história velha e gasta de quando ele perdeu 856 kg, ficou magrinho, e todo mundo pediu pra ele engordar de novo. Todo mundo quem?? Só se foram os donos de pizzaria e chineses de pastelaria.

Essa estratégia do gordo ridicularizar a si próprio é velha. Uma forma (humilhante) de fingir que ele acha graça daquilo que todo mundo realmente acha graça: ele próprio. Assim, rindo todos juntos, gordos e magros, do mesmo objeto de humor (os gordos), os gordos se sentem mais inseridos na sociedade, felizes. E os magros, satisfeitos, se sentem menos culpados, dentro deste grande picadeiro chamado sociedade ocidental.

Aliás, gordos que ridicularizam a si próprios, e, por tabela, aos seus semelhantes, estão no mesmo patamar que negros que contam piadas sobre negros. Mas porque estes últimos são politicamente incorretos, enquanto os primeiros são ?bem-resolvidos e engraçados?? Penso que eu não precisaria, na minha vida, de mais uma pessoa rindo de mim. Menos ainda se esta pessoa for eu mesma. Claro, óbvio e evidente que saber rir de si próprio é uma virtude. Mas no sentido de não se levar tão a sério, de encarar com humor e leveza os problemas da vida. O que não é a mesma coisa de ser motivo de uma auto-chacota.

Pois então o Jô foi logo chamando o Serjão de gordo, entre outras presepadas. O Serjão, inteligente, não deixou a bola cair, e foi logo comentando que acha uma palhaçada esse negócio das pessoas o chamarem de ?moreno forte?. "Porra, moreno forte?? Eu?? Eu sou negro, e sou gordo, pôrra!". Obviedade esta que foi aplaudida efusivamente pelo auditório. Aliás, as pessoas adoram louvar obviedades. Aquele livreco, "Homens são de Marte...", é o grande best-seller do século. Homens e mulheres são diferentes! Não diga! Eu nasci sabendo disso, e nunca ganhei nenhum puto.

E no nosso Brasil de obviedades, este grande "caldeirão da democracia racial", "moreno e forte" são formas de amenizar características tão depreciadoras como ?negro? e ?gordo?. É feio, é pecado, é crime, ser negro e ser gordo. Os dois ao mesmo tempo então... Aí, amorosamente, tentam usar o artíficio do eufemismo, pra não parecer que estão acusando ninguém de nada. Ainda mais de "negro" e "gordo". Pode dar processo, né? E fica chato chamar alguém de gordo. Tão chato quanto chamar de negro.

Neste contexto, vemos duas estratégias de sobrevivência para aqueles que são ?diferentes?, não da maioria, mas do status quo. Menosprezar-se, e ridicularizar-se, para fingir que se está inserido. E a outra é se assumir, com orgulho, sem se esconder, e, melhor, sem tentar fingir ser o que não é. Sinceramente, eu fico com a última opção.

Ah, e ele ainda emendou: "Eu tô fazendo a dieta da sopa. Sabe como é? Deu sopa, qualquer coisa, eu tô comendo". Rolei de rir. :-)

Serjão em momento descontraído, suando um pouco (pra quem não ligou o nome à pessoa, é o Seu Figueirinha da Diarista, e também puxador do bloco que vai bombar em Madureira)

Para ver o vídeo, ouvir o cd, ler a biografia, e/ou entrar em contato com esse negão espetacular chamado Serjão Loroza, clica aqui: http://www.serjaoloroza.com . O negão canta pra caralho e é a maior figura.

8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eu adoro ele! sempre adorei. e aí, há um tempão atrás, fui ao monobloco no circo. eu tava lá de fãzão.

e eis que ele passa por mim e manda: "e aí, tudo bem?". no fim das contas, não é que eu achei mesmo que ele era meu amigo! ele foi tão simpático que fiquei viajando: "será que ele é meu amigo mesmo e eu não lembro??".

beijos

12:27 PM, fevereiro 20, 2006  
Blogger Brena Braz said...

Como sempre, arrasou! Adorei o texto.
Mas, Lulu... "livreco" c pegou pesado, hein, amiga?! Rs
Bjos

3:42 PM, fevereiro 20, 2006  
Blogger Joao Guandalini said...

Filhota, esse papo de politicamente correto é muito chato, que mal tem vc chamar alguem de gordo, careca, preto ou viado. Agora somos obrigados a buscar artimanhas mil na busca de uma forma "habilidosa" de dizer as coisas, ahhh, sou preto, pobre e careca mesmo, que se f... Saludos!

1:19 PM, fevereiro 21, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Para variar, vc detonou novamente. mandou muito bem. É foda constatar dia a dia essa atitude de "auto flagelação", como defesa.
Me recomendaram aquela "coisa", hm são de marte...Não passei da página 8. Vc foi boazinha chamando somente de livreco.
Vê se aparece, tô com saudades.

6:31 PM, fevereiro 21, 2006  
Blogger Ana Boaventura said...

A-dorei o texto. Vc como sempre, tem o dom das palavras. O tal do chamar o cara negro de "bem moreno" ou o gordo de "gordinho"...qta hipocrisia. Eu já passei na pele coisas do tipo e te falo...né mole não amiga.O preconceito existe, e tá longe da gente mudar isso...mnas pelo menos tentamos né?
beijos p vc!

6:14 PM, fevereiro 22, 2006  
Blogger Cristina Boeckel said...

Concordo em gênero, número e grau acerca do que foi dito sobre o Jô Soares.

Beijos, moça.

10:21 AM, fevereiro 23, 2006  
Blogger Fernando said...

ótimo texto, haiuhaiuai. infelizmente a minha internet é discada, huahuiaia. abraço!!

7:00 PM, fevereiro 28, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Jornalista ociosa???? Como assim, mulher?? Ganhe o mundo com suas palavras!!!!
Muito bom o seu texto!
Nesse país tão bonito e tão nacionalista (faz-me rir...), ser negro é vergonha, ser gordo é estranho...
E a vida continua...
Bjos

7:17 PM, março 02, 2006  

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