terça-feira, janeiro 31, 2006

BR-3

Este post é histórico.

Estava eu muito feliz, lá no Camelódromo da Uruguaiana comprando uns brinquinhos de côco, uns colarzinhos de semente. Já passava das 19h e a maioria das barracas estava fechando. Acabei me perdendo em um dos labirínticos corredores de camelôs, na vã tentativa de pegar um atalho.

No estreito caminho entre algumas barracas de dvd, vi um negão gigante ocupando metade do corredor. Olhei (pra cima) rapidamente, e continuei caminhando. Achei o cara meio familiar, mas como estava falando no celular não dei maior importância. Desliguei o telefone. Olhei pra trás. O negão continuava lá. Parei. Franzi a testa. Opa.

Dei mais uns dois passos e parei de novo. Olhei pra trás de novo. Estranho. Voltei a caminhar. Dei mais três passos. Parei. Voltei pra trás. Será? Dei uma última olhadinha, mais de perto. Não era possível. O negão continuava lá, entretido na atividade ilícita do estímulo à pirataria. Cheguei mais perto. Parei.

Peraí.

Não, não pode ser.

Encostei na barraca, do lado do negão. Olhei bem dentro da cara dele. Ele não se deu conta da minha presença.
No fundo da minha alma, o coro começou a entoar:

"A gente corre, a gente corre, na BR-3, na BR-3 ..."

Será, meu Deus???

E Ele respondeu: "Podes crê, amizade!"

Comecei a ficar realmente tensa. Ele estava decidindo entre o "Senhor das Armas" ou "Jogos Mortais". Eu estava decidindo entre ficar com as mãos suando ou as pernas bambas. Ele percebeu. Olhou pra mim por cima dos óculos, com estranheza. Eu ri, feito um lhama. Ele sorriu de volta. Meu coração estufou. Alguém passou e o cumprimentou. Foi aí que eu ouvi a voz. Dele. Não, não era possível. Comecei a rir mais, nervosa. Fingi que estava procurando o novo dvd do Sorriso Maroto, pra disfarçar. Apesar da minha atitude discreta, deixei cair várias caixas no chão. Ele percebeu e ficou me olhando, curioso, talvez achando que eu fosse portadora de síndrome de down. Notei que ele se preparava para pagar pelos 12 dvds escolhidos. Reuní toda a coragem do meu arqueiro zen interior. Gaguejando, ridiculamente, perguntei:

- Vo-vo-cê-cê é... é.. você é o ...

Não terminei. Ele me interrompeu, tirou os óculos e olhou bem dentro da minha cara.

- Quem? O Júnior Baiano? Não, não sou eu não.

Riu e voltou sua atenção para a bunda da vendedora. Me senti um protozoário. Mas como sou cara de pau na mesma proporção da minha mongolice, resolvi me tacar do precipício

- Vem cá, você não é quem eu estou pensando que é, é?

E dei aquela piscadela marota, que só pessoas muito marotas sabem dar. E ele:

- Pois é, querida. Não é todo dia que a gente encontra um Tornado pela Uruguaiana. Qual é a sua graça?

Senti uma vertigem.

Era o Toni.

TORNADO.

Não, peraí. Vocês não estão entendendo. Caralho. Caralho. CARALHO!!!!!

(corta)

Antes de ser o "crioulo de plantão da Globo", como ele mesmo se auto-intitulou, Toni Tornado teve uma meteórica carreira como cantor, gravando dois discos que fizeram relativo sucesso.

O ano era 1970. Na noite do dia 17 de outubro, o prêmio de melhor canção do 5º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, foi para um cantor negro desconhecido, de quase dois metros de altura, com um imponente cabelão black power, que cantava e dançava com o estilo de James Brown. Toni Tornado havia sido o intérprete que Antônio Adolfo e Tibério Gaspar escolheram para transmitir a mensagem de "BR-3", uma espécie de valsa soul.

Usando botas pretas até o joelho, camisa cáqui desabotoada com o peito à mostra, onde um sol colorido pintado contrastava com a pele escura. a performance de Toni é lembrada até hoje. Bem básico.

Antônio Viana Gomes, nascido em São Paulo, veio para o Rio ainda criança, e sempre gostou de imitar cantores americanos, como Chubby Checker. Foi assim que, na juventude, começou a participar de programas de televisão. Na TV Rio, conheceu Carlos Imperial, que o contratou como segurança. Depois de uma temporada na Europa, Toni foi para os Estados Unidos, onde viveu vários meses na clandestinidade como lavador de carros, e retornou para o Brasil.

"BR-3" fazia uma crítica subliminar à ditadura, e havia sido rejeitada por Simonal e Tim Maia. Mas caiu como uma luva para Toni Tornado, engajado com o discurso do Black Power, que o fez se destacar como um possível líder negro. Passou a ser mal visto pelos militares, e seu caso com a atriz loira (na época, considerada bonita) Arlete Sales chocou a opinião pública.

Dias após a vitória no FIC, o colunista Ibrahim Sued, concorrente desclassificado do festival, articulou um embuste, sugerindo que "BR-3" não era somente a sigla de uma estrada mas, segundo o código dos viciados, uma veia do braço onde se injetava cocaína. Por detrás da invenção havia um lobby para favorecer um livro escrito pelo seu amigo, o general Jaime Graça, chamado "Tóxico", em cujas primeiras páginas sugeria que a música "BR-3" era um hino para os toxicômanos.

Tibério e Adolfo foram chamados para depor no SNI, e sua produtora musical foi fechada. Arlete começou a ter problemas na emissora por causa do escândalo. E Toni mal podia sair à rua, sendo alvo de insultos. Acabou preso várias vezes por causa de seu ativismo social em favor dos negros nos bailes da periferia. Em 72, foi "convidado" pela repressão a sair do país. Exilou-se no Uruguai, Angola, Egito e Europa, interrompendo sua carreira de cantor. Passado o tempo, tornou-se conhecido por seu trabalho na TV, sendo um dos poucos atores negros contratados pela Rede Globo.


(play >>)

Resolvi puxar papo. A conversa foi meio complicada inicialmente, porque ele estava muito ocupado olhando para as mulheres que passavam. Mas logo ele resolveu focar a atenção em mim, digo, no meu decote. Insisti. Me apresentei e fui logo falando sobre o meu mestrado, sobre a black music brasileira, e dizendo que ele era um dos personagens principais da minha pesquisa. Aí ele se interessou um pouco mais. Percebi isso porque ele começou a me cantar. Quando ele realmente percebeu que o trabalho era sério, me convidou para jantar. Em nome do conhecimento acadêmico, fingi surdez repentina, e persisti no assunto. O papo começou a fluir.

Ele segurou meu braço e fomos caminhando. Falávamos sobre sobre o tempo dos bailes, do movimento black, da ditadura. Pegamos uma rua escura. Temi pela minha integridade física. Ele não parava de falar. Eu me encontrava na zona nebulosa entre o fascínio completo e o pavor total.

Paramos em frente a um sobrado antigo. Ele fez sinal para que eu entrasse. Medo. Pensei em simular um AVC, mas ele não só era falante como também autoritário. E me fez entrar no local. Muito medo. Fui me escorando na parede do corredor e tive uma visão. Era Anne, vestida de anjo vingador, com uma expressão ameaçadora de desaprovação, barrando minha entrada com uma espada de fogo na mão. Toni continuava andando e falando. Me persignei e resolvi seguí-lo.

Com alívio, percebi que era apenas um estacionamento. Amplo, iluminado, movimentado. Soltei o ar que estava preso há uns 45 segundos. Ele pagou o estacionamento com uma nota de 50. Notei que, na carteira, só havia cédulas de 50. Fiquei emocionada. Realmente, a Globo é um bom lugar onde se trabalhar. Mesmo quando você não está exatamente trabalhando. Toni não parava de falar, contando aventuras incríveis, revelações bombásticas e fofocas de bastidores. De repente, interrompeu a narrativa, bruscamente e disse: "Vamos?"

Não entendi, e fiquei imóvel, olhando pra ele. Ele repetiu. "Vamos?". Como assim? "Eu te dou uma carona". Um frio percorreu minha espinha. Mas a palavra "carona" soou como doce música nos meus ouvidos. (para saber mais sobre "caronas" e "bolivianos", consultar o post do dia 11 de outubro de 2005).

A imagem de Anne surgiu sobre o meu ombro esquerdo. Desta vez, ela estava menor que meu brinco de côco, mas tinha auréola de neon e usava asinhas cor-de-rosa. Bem na hora em que ela gritou "NÃO!!!" dentro do meu ouvido, olhei para trás.

Azul-petróleo metálico, cabine dupla, rodas de liga e vidro fumê. Uma F1000 reluzia ali, parada, convidativa. O manobrista havia trazido o carro. Toni abriu a porta. Pude divisar o interior atapetado do veículo, bancos de couro, direção hidráulica, dvd e som estéreo.

Me joguei lá dentro.

Anne tentou puxar minha orelha, mas a espantei como a uma muriçoca. Ela se dissipou em uma nuvenzinha de estrelinhas e purpurina.

O trânsito não estava tranqüilo ali no final da rua da Alfândega. Toni teve dificuldade para dirigir, por conta dos inúmeros ambulantes e dos incontáveis perfumes falsificados da Boticário, vendidos em pratinhos de isopor. Disfarçadamente, liguei o gravador do celular.

Ele simplesmente conhecia todo mundo do Camelódromo. Tirei altas ondas com os camelôs. Afinal, eu era uma estrela. Ele cumprimentava a todos, "Hello, Lady", "Hi, Don". Puro Harlem. Eu, ele só chamava de "bem".

- E então, "bem", você tem namorado?
- Ahn??
- Ou você é casada?
- Err... E a sua mulher, cadê? (tentei bancar a espertalhona)
- E quem disse que eu sou casado? Mas estou querendo casar.


Medo.

Peguei imediatamente o celular, e liguei pra casa. Ele precisava saber que eu sou moça de família.

- Mãe, você não vai acreditar!!! Sabe quem eu conheci???
- Hum
- Toni Tornado, mãe!!! Acredita!???
- Quem?
- To-ni Tor-na-do! Caraca, surreal!!!
- Su o quê?
- Mãe, ele tá mandando um beijo pra vc!!!
- Luciana, quando você vier pra casa, traz dois maços de cigarro pra mim?
- Mãe, você ouviu???
- Ouvi, ouvi. Free Light, tá?
- Ah, tá.


Toni me contou a respeito dos problemas que enfrentou e ainda enfrenta com o pessoal do movimento negro. Considerado alienado, se ressente por não ser lembrado pelo que fez no passado, e pelo que teve que enfrentar. "Lu, eles não entendem quando eu digo que não sou do movimento negro. Porque eu sou um negro em movimento". Achei foda isso. Faltou pouco para ele terminar a faculdade de direito, lê muito e é um cara extramente inteligente. Só foi um pouco complicado explicar pra ele que não adiantava tentar me deixar NA FRENTE das barcas, após a obra na Praça XV que construiu uma passagem subterrânea para o trânsito. A obra foi realizada há uns dez anos atrás. Ele deu umas quatro voltas no mergulhão, e, na última, pegou a entrada errada, e teve que fazer o retorno no Aterro do Flamengo. Mas tudo bem. A conversa estava ótima mesmo, e acho que ele desistiu das cantadinhas infames, após ver minha cara de espanto quando ele disse ter 74 anos.

Me deu o número do telefone, e se mostrou disposto a colaborar com minha pesquisa. Eu realmente fiquei encantada. Ele é fabuloso. Até pensei em dar meu currículo pra ele. Sem trocadilhos. Mas também imaginei que ele talvez quisesse algo em troca. Com trocadilhos. Ou seja, eu teria que dar duas coisas pra ele. Dar uma coisa em troca de dar outra coisa. Ou o contrário. Sei lá.

Confesso e assumo que me senti atraída pelo Toni Tornado. Pelo caráter dele. E ele está cheio de caráter na carteira. Fiquei me imaginando na Ilha de Caras, celebrando a lua-de-mel. Após horas explicando pra minha mãe quem ele era, rememorando todas as últimas novelas, desde "O Beijo do Vampiro" até "Agosto", ela até gostou da idéia. Já de olho em uma futura pensão.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Vovó

Vovó operou uma sinusite tremenda que, segundo ela, a atormenta desde os 17 anos. Imagino que se o tormento fosse tão grande, a cirurgia não teria sido marcada só agora, 60 anos depois. A operação foi ótima, tudo correu bem e estamos todos felizes. No hospital, a recomendação era de repouso e silêncio total.

- Assim que eu sair daqui, vou chumfirndishskdd...
- O quê, vó?
- Quando eu sair, eu vou pra ejndsndsks la,dkmdnfjs, dkmdfjf
- Vó, não tá dando pra entender!
- Eu tô falando que dlkdslkfd jfjds fhfhfk
- Vó, o médico não mandou você ficar quieta???
- Eu disse que vou pra Europa, porra!
- Vó, tá ridículo você falando palavrão sem dentadura.
- E semana que vem vou djdfnhsndtursmdkssçl....
- Ahn??
- Eu disse que vou comprar um vestido lindo!
- Vó, você vai arrebentar todos os pontos da boca!
- Puta que pariu, dkfkmsn djhdks djdnmf


Agora, minha avó resolveu realizar tudo o que nunca tinha feito antes. Inclusive, falar o dobro do que ela sempre falou. Bateram na porta do quarto.

- Doutor, vovó tá impossível, ela não cála a boca.
- Dona Leda, por favor, a senhora tem que fazer repouso total...
- Mas eu quero dmddmdmf!!!
- Hein??
- Eu quero fazer xixi, porra!
- Vó!!!
- Desculpa, doutor. Mas é que eu tô apertada!
- Vou chamar a enfermeira.
- Nem vem, que eu não vou mijar naquela merda de comadre não! Rjslsa chumfbr djdkskdlawsddk !
- Mas a senhora não pode levantar, a anestesia foi geral.
- Então só vou fazer xixi quando chegar em casa.
- A senhora só vai ter alta amanhã de manhã.
- Mas que mdmdmf ddnfm djfj snddddjdj!!!
- Vó, cála a boca!

sábado, janeiro 28, 2006

Manchas negras

Fernanda disse que meu passado é como um dálmata: cheio de manchas negras.
Não só o passado. Eu apenas narrei UM dos vários casos de sem-noçãozice masculina que fizeram minha existência um pouco mais esquisita. Vocês tão rindo, né? Isso não tem graça.

Agora, eu me pergunto o que faz um ser humano como o Mancha agir desta maneira?
a) falta de vergonha no meio da cara
b) falta de amor-próprio
c) falta de sexo
d) falta de noção
e) todas as alternativas acima

A falta de noção é uma tragédia que assola a população masculina tal qual uma tsunami de manezice. Não tem necessidade. Eu sei que eu beijo MUITO bem, mas o rapaz não precisava ter se humilhado. Porque foi humilhante. Pra ele. Quando atendi o telefone, reconheci logo a voz, mas fingi amnésia temporária. Ele notou o desprezo na minha voz, mas mesmo assim tentou reavivar minha memória. Disse onde nos conhecemos, onde morava, falou da profissão, do carro. Eu, com meu Alzheimer seletivo, estava me divertindo. Até ele chegar ao fundo do poço. ?Lembra de mim? Aquele que tem uma manchinha no rosto?. Eu tive que rir, sarcásticamente. ?Ah, agora lembrei...? E pus fim ao suplício. Mas tive pena. O resto vocês já sabem.

Imagino que ele não deve pegar ninguém há 3 anos. Eu sou a última alma caridosa do Rio de Janeiro. Aliás, fui. Penso que ele, um ser especial, marcado com uma insígnia tão vistosa, deveria tentar ser uma pessoa um pouco melhor. Mas não. Nãoooo. Ele quer pagar uma de Dado Dolabella. Aí se fode. E rende pauta pro meu blog.

Sinceramente, eu prefiro homens mais humildes.

Comecei na natação. Por uma pernada do acaso, estão fazendo obra no prédio. Inúmeros, incontáveis pedreiros. Meu primeiro impulso foi entrar na piscina de roupa, ou implantar uma espécie de biombo aquático que cobrisse a piscina. Mas não deu. Notei, inclusive, que os trabalhadores braçais em questão têm bastante interesse por esportes aquáticos. Não é bonito imaginar minha bunda gigante tremelicando debaixo d?água, sendo observada pelos vááários peões. Constrangedor.

Ontem, ouvi um fiu-fiu. Cogitei afogamento. Mas talvez não fosse comigo. Relaxei. Quando estava indo embora:
- Ô coraçãooo, vem cá, vem!! Vem aqui que eu faço o teu tipo!!!

Quer dizer que agora pedreiro é o meu tipo??? Folgo em saber.

P.S.: Ontem, quando passei, novamente ouvi uns cochichos e ?psius?. Olhei pra trás. Uns quatro peões estavam lá parados, alguns usando aquele chapéuzinho de jornal, outros com a marmita ainda na mão. Eles me deram tchauzinho. Eu tive que rir. E acenei de volta.

Vou começar a ir de batom pra natação.
(para saber mais sobre ?pedreiros? e sinônimos, vide post do dia 27 de abril de 2005 in "Discutindo a relação ou Elas só querem um estivador")

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Manchaman

A contemporaneidade viu a ascensão das pintas e manchinhas como instrumentos de demonstração de profundo sex-appeal. Estrategicamente dispostas sobre determinados pontos do rosto, elas foram responsáveis pelo sucesso de grandes ícones da mídia mundial.

Vide os exemplos de Marilyn Monroe, Cindy Crawford (nesta foto, com um maiô pouco cavado), Robert de Niro (ou será Al Pacino?) e, claro, Eri Johnson.



As pintas se tornaram símbolos de charme, sensualidade e mistério. No século XVI, falsas pintas colocadas sobre determinadas partes do corpo das damas da corte, como queixo, bochechas e testa, poderiam ter os mais diversos significados nos jogos de sedução. Mas, óbvio, se suas dimensões fossem devidamente adeqüadas ao tamanho do rosto. Diminutos sinais que formavam simétricos desenhos em relação aos contornos da face.

Diminutos.

Conheci um cara na Internet (todo mundo já fez isso, vão jogar pedra, é?). Papo vai, papo vem, telefone pra lá, cantadinha pra cá, e nada do rapazola me mandar uma foto. Pela descrição, ele tinha 1m87, forte, olhos verdes. Opa. Eu, que não sou bobinha, também não mandei foto porra nenhuma. E dei apenas alguns detalhes sobre a minha pessoa: 1m78, morena, cabelos longos, tipo Fernanda Lima. Ok.

Marcamos um encontro no acessível Nova América Outlet Shopping. Eu, sem-noção, levei uma hora de metrô até chegar ao ermo local. Mais de 30 minutos esperando, e eis que surge o mancebo. Como não sou míope nem nada, achei que talvez minha pressão tivesse caído, porque comecei a enxergar manchas vermelhas. Aliás, manchas não. Uma mancha só.

Ele chegou perto. "Oi, tudo bem?" Senti uma ligeira vertigem, mas segurei a onda. Nunca daria a perceber que eu estava chocada com o tamanho da mancha que o bruto tinha no meio da cara. Aliás, mancha não. Era uma estampa. Fingi que não vi. Eu sou uma pessoa muito humana, pô. Tentei agir naturalmente diante do Fantasma da Ópera. Começamos a conversar, e nos sentamos em um bar. Ele não cansava de dizer que eu era linda e maravilhosa, elogiando incalsavelmente minha pele. Por que será? Eu respondia com monossílabos, tentando relaxar e mentalizar mensagens cristãs de solidariedade e amor ao próximo.

- Ah, eu acabei nem falando nada... Você reparou que eu tenho essa 'manchinha' aqui, né? Esqueci de comentar...
- Manchinha? Ah, isso? Nossa, nem tinha reparado!

Ele disse que era de nascença. "Que coisa, hein?", murmurei e mudei de assunto, com tanta naturalidade que Deus me concedeu mais 10 mil pontos no programa de milhagens Heaven Smiles.

Acabamos ficando, e ele não beijava mal. Comecei a cogitar se a mancha poderia ser uma falha genética, na possibilidade de futuros filhos. Afinal, ele tinha um Gol branco 2 portas.

Pouco tempo depois, tocou o celular dele. Era a Mamãe-Mancha. O Paulo Felipe (nome verdadeiro) disse que ia ter que viajar para Angra (local de origem da Família Mancha), e iria embora naquele momento. A pressa era tanta que o bruto não se deu ao trabalho de me acompanhar até à saída. Um gentleman. Gentlemancha.

No metrô, quase na Central, toca o celular. Era o Mancha, dizendo que a mãe tinha dado um pití, e não ia mais viajar. E pediu pra eu VOLTAR PARA O SHOPPING!!! Como assim, cara-pálida? Aliás, cara-não-pálida? Ele insistiu. Não. Implorou. Não!!! Choramingou. Tchau. Ele ligou de novo. Desliguei o celular. Peguei meu ônibus, aliviada, e fui pra casa um pouco mais alegre, tomando um delicioso e refrescante Guaracamp.

O Mancha sumiu. No meio da semana seguinte, ele liga, me chamando pra sair. Com razoável educação, tentei dar uma desculpa. Ele insistiu. Ainda tentando alcançar o posto deixado por Madre Teresa de Calcutá, sugeri que talvez a gente pudesse ir ao cinema (já planejando levar Anne a tiracolo).

- Cinema? Tá, pode ser. Mas e depois?
- Depois o quê?
- É, depois do cinema. Vamos fazer o quê?
- Ué, eu vou pra casa.
- Ah, não. Eu pensei que a gente pudesse fazer uma outra coisa... (e deu uma risadinha boçal)
- Ahn??
- Tem algum motel barato aí perto da tua casa?


Como assim, Bial??? Até engasguei. Ele insistiu. Tentei explicar que eu nunca treparia com um mutante, ainda mais com o Mancha-Man. E, com petulância, avisou que só sairia comigo se fosse pra rolar uma sacanagem básica. Não discuti mais e desliguei.

O evento se apagou da minha mente, como um trauma de vidas passadas. Uns cinco meses mais tarde, toca o celular. Guess who? "Oi, tudo bem? Lembra de mim?"

- Lembro, claro. Mas agora eu estou ocupada tentando esquecer. Valeu, tchau.

Um mês mais tarde, toca o celular. "Oi, tudo bom? Sou eu, o Paulo!" Definitivamente, joguei meu pirocóptero na cruz. "Olha, filhinho, eu estou namorando, então, s'il vous plaît, desapareça, ok?" E ele ainda se reservou o direito de ficar putinho.

Isso aconteceu em 2003.

Ontem à noite, advinhem???

Agora, perguntem pra mim se o Denzel Washington me liga?? Perguntem pra mim se o Antônio Banderas me liga??? Caralho.

Pensei em marcar um encontro, só pra exercitar meu pum letal, mas desisti da idéia. Esculachei via telefone mesmo, e sem-noção apenas foi o elogio mais educado que eu usei antes de desligar.

sábado, janeiro 21, 2006

É pra rir?

20 de janeiro. Dia no qual se comemora o aniversário daquela que ainda é, por muitos, chamada de "cidade maravilhosa". Como eu gosto de pisar na cabeça do capeta, resolvi dar um pulinho nas areias caudalosas copacabanenses para conferir mais um show do Lulu Santos (já devo ter ido a uns 14 shows dele, mas não sou fã). Entre a alegre turba de populares que dividiram comigo as mesmas emoções e o mesmo quinhão de areia durante aquela data tão festiva, pude entreouvir o seguinte diálogo.

O vendedor de sorvete meninão chega perto do vendedor de pipoca e exclama:
- Ah, você não presta pra jogar no meu time não, porque você é muito "pipoqueiro". (???)

Era pra rir?

Se vocês jogam futebol e entendem de esportes, por favor, me expliquem a piadinha acima, porque eu ainda não entendi.

E o pipoqueiro, mais meninão ainda, responde:
- E você não joga no meu time também não, porque você é muito picoleiro.

P.S.: Resolvi não falar mais a respeito do incidente no ônibus, na ida para Copa, quando o último lugar vago estava ocupado por parte das nádegas de uma moçoila, mais sua sacola. Pensei em perguntar se a sacola havia pago passagem, mas resolvi apelar para a força física. Pedi licença e enfiei minha bunda (que não é pequena) no diminuto e disputado espaço. Afinal, sou adepta da filosofia de que "só a violência gera compreensão". Não liguei para a cara de cu que a rapariga fez, e tentei, com força, mas sem sucesso, soltar um pequeno pum. Um dia eu consigo. Quem disse que eu não sou vingativa?

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Mulher vende carro do marido por menos de US$ 1
http://http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI792720-EI1141,00.html

Agora, me respondam: é melhor vender o carro por um real, quebrar o carro todo com algum taco de beiseboll, ou estourar todo o cartão de crédito (dele) no shopping?
Essas mulheres têm pouca visão lucrativa.


P.S.: Depois de verter algumas lágrimas ao ver uma cena de amor rocambolesca em "JK" ontem, ao lembrar de casos antigos, leio isso que, de certa forma, fez eu me sentir mais confortada (pela infelicidade alheia, é sempre bom saber que tem alguém se fudendo mais do que eu).

"A mulher foi fazer uma cirurgia nos olhos e o marido disse que não poderia acompanhá-la. Ela foi sozinha e quando voltou, viu várias malas na sala.
- Ué, Fulano, você vai viajar?- Não. Estou saindo de casa. Vou morar com a Beltrana (E a Beltrana em questão é só amiga da recém-operada...)
A mulher chorou horrores, teve descolamento de retina e perdeu a visão do olho operado."

in. http://www.tudopalhaco.blogspot.com/

domingo, janeiro 08, 2006

Na lata

Hoje, de manhã, mamãe enchendo meu saco porque ela queria chegar na casa da minha tia até 2 HORAS DA TARDE, e já eram 11 HORAS!!! Ou seja, já estávamos atrasadíssimas. E não, minha tia não mora em Jaçanã, mora aqui em Sãogonça mesmo. De 2 em 2 minutos, ela vinha me apressar, reclamar e fazer chantagem emocional. Perguntei porque a pressa, já que a gente ia de táxi. E ela:

- Táxi? Que táxi? Minha filha, você é muito sem noção!

Agora, esse virou o bordão daqui de casa. Até minha avó anda fazendo uso da expressão idiomática. Um inferno.

Depois, veio ela, ainda reclamando da hora, e me ofereceu uma daquelas balinhas de geléia, coloridinhas e ridículas (compradas com o meu dinheiro). Provavelmente, mais uma forma de me coagir, ela me dava a bala e eu ia me arrumar. Pura chantagem. Peguei uma, que tinha exatamente o mesmo gosto de um broto de bambu adocicado.

- Mãe, por que você gosta dessas balas de merda?
- Ué, e por que você gosta de computador, e desse blog de merda?


Só de raiva, comi todas as balas.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Em post anterior, descrevi algumas experiências vividas em praias notadamente conhecidas por suas características farofísticas. Mas é interessante também destacar as peculiaridades de praias de rico. De qualquer maneira, eu, particularmente, prefiro o piscinão de Ramos à Costa do Sauípe.

Dia 31, último dia do ano (e imagino que o último dia deste século a fazer sol no Rio), estava eu dando minha tostada básica em Camboinhas, refúgio dos novos ricos niteroienses. Ouço uma mulher no celular (branquíssima, claro), preocupadíssima:
- Meu filho, não vem pra praia não, porque está muito sol (!!!)

Porra, neguinho vai à praia pra quê, então?? Pra pegar uma friagem??

Ainda tentando digerir a questão, passa um vendedor de queijo coalho na minha frente. Meus olhinhos se iluminam. Salivando, indaguei o preço da fina iguaria.

Três reais.

Um queijinho, uma tira de queijo coalho, de procedência duvidosa, por TRÊS (3) REAIS!!! Peraí! É isso que chamam de abismo social??? Não comi, óbvio, mas o colesterol aumentou 76% só por conta do estresse.

Após o choque causado por este índice inflacionário, eis que surge um rapazola, com nenhuma pinta de ser turista, perguntando, como se fosse uma comida exótica do Nepal, o que era queijo coalho. O vendedor, respeitando as normas internacionais de higiene, limpou a mão suja de areia na bermuda, pegou o espetinho para enfiar o queijo (sem luvas nem outra forma de proteção) e respondeu que queijo coalho era um queijo meio assim, tipo borrachudo.

Tem queijo tipo Frescal, tipo Gouda, tipo Roquefort, e queijo tipo Borrachudo. Lógico.

O playboyzinho teve a mesma atitude que eu, e, temendo por sua flora intestinal, não comprou o queijo. Retornou ao seu grupo original de amigos da classe A e B (ele devia ser da B, pela textura da sunga), onde se podia ouvir o seguinte diálogo:

Paty A: - Cara, tipuassim, suuurreallll o Caxtélu ("das Pedras" - leia-se baile funk).
Paty B, entre risos: - Cara, tiiipo, mó perrengue mexmu. Só dá pra ficar no camarote VIP e olhe lá.
Play A: - Cara, muito sem noçãuuu vocêix, indo pra baile de 'paraíba'.
Play B: - Porra, só dá cachorra!!
Paty A: - Eu não sou cachorra, eu sou purpurinada! (risos gerais, como se fosse a melhor frase dita desde "I have a dream")
Paty B: - Não, cara, pô, tipuassim, surreal, o banheiro feminino lá embaixo. Tem que ter duas filas. Uma pro xixi, e outra pra passar Kolene. As meninas, tudo de cabelo ruim, ficam passando creme no cabelo a noite inteira, pra "umidificar". Aquilo fede. Axquerosuuu!!!

O resto do grupo pronunciou um "ui", expressando asco e desprezo, em uníssono, para depois gargalharem novamente, em uníssono.

Depois de quase ser estuprada financeiramente, e após esta demonstração explícita de nazismo tupiniquim, eu, que já usei Kolene (atualmente, utilizo o Ativador de Cachos com Hidratação Profunda da Essenza, R$ 3,80) deixo aqui o meu gripo de raiva e indignação.

São esses, dentre outros motivos, me fazem reafirmar que praia de rico é uma merda. E, ainda por cima, dá pouquíssimo negão.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Sinais

É, talvez seja um sinal de que o ano vai ser melhor que o anterior quando sua amiga vomita pra caralho depois de encher a cara, mas não no seu pé.

domingo, janeiro 01, 2006

Dez coisas que aprendi em 2005 - Para refletir

- Que nem todos os homens são iguais. Tem uns piores.
- Que minha mãe é uma grande humorista, podendo ser mais nonsense que o Jorge Benjor (mas mantendo uma lógica interna).
- Que tomar um sorvete de mangaba corresponde, mais ou menos, a sentir cinco mini-orgasmos múltiplos.
- Que orkut é uma vitrine de egos inflados, pra gente que não tem o que fazer e é adepta do voyeurismo.
- Que o Rio de Janeiro é uma merda e Niterói é um cu.
- Que a Bahia não é um lugar, é um estado de espírito.
- Que a gente tem bem poucos amigos nessa vida. Muito poucos.
- Que quando pensamos com força em alguém, essa pessoa também está pensando na gente (não copiei isso de nenhum livro do Paulo Coelho).
- Que essa imagem do Rio como uma cidade ensolarada é completamente falaciosa.
- Que minha necessidade por pegar sol aumenta de forma inversamente proporcional à quantidade de dias nos quais realmente faz sol.